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terça-feira, 30 de setembro de 2008

Qual o nome da criança?

A resposta pode provocar estranheza e até espanto; mas um nome diferente não significa cruz pela vida afora. Se não virar motivo de orgulho pela originalidade, é só trocar.




Nomenclatura brasileira

Os nomes inventados, trocados e de grafia incomum do clã de
Helena e Francisco Camargo retratam as peculiaridades nacionais

1) Nome: Walter
Era para ser: Water

2) Nome: Maria Lucier
Assina: Luciele

3) Nome: Welington
Grafia: falta um ele

4) Nome: Camilla
Grafia: sobra um ele

5) Nome: Werley
Era para ser: Wesley

6) Nome: Mirosmar
Assina: Zezé

7) Nome: Welson
Assina: Luciano

Francisco e Helena Camargo eram agricultores pobres que queriam o melhor para seus dez filhos. Por isso, capricharam na escolha dos nomes, um ato que costuma ser a mais explícita manifestação das aspirações dos pais. O Brasil inteiro conhece o resto da história, que culmina no sucesso da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, de nomes adaptados, digamos, às expectativas de mercado. Tudo começou com o hoje Zezé, 46 anos, originalmente Mirosmar – "Nome do gerente de uma fazenda perto de casa que eu conheci ainda menina e achei bonito, diferente", conta Helena. Depois veio Emival (morto num acidente de carro), que era para ser Mival, "nome de deputado", explica ela. "O Francisco diz que foi erro do cartório, mas acho que foi ele mesmo. Tem nome que ele não dá conta de falar." O sétimo filho se chama Walter, normalíssimo, mas produto de outro engano: "Eu tinha escolhido Water, que era o nome de um médico em Goiânia". Welson, hoje Luciano, 35, foi composto para manter a letra W; Werley, 32, também, só que na forma de Wesley – "O Zezé escolheu, mas na hora de registrar saiu errado". Já a caçula, Maria Lucier, 30, que no original era Luciele ("Uma garota que eu vi cantando na TV") e assim assina na vida artística, aparentemente também foi vítima da pronúncia do pai. Os demais deram sorte: Maria José, Marlene, Emanoel e Welington, 37, que é ex-deputado e se orgulha da boa fortuna (apesar da ausência, inadvertida, do segundo ele): "O meu nome é o mais bonito. Fui privilegiado".

Nomes estranhos, inventados ou que denotam a origem social humilde podem parecer uma cruz a ser carregada por toda a vida – e a mudança da dupla Camargo seria a prova. Mas os especialistas americanos Michael Sherrod e Matthew Rayback, autores do livro significativamente intitulado Bad Baby Names, discordam. Amparados por pesquisas que mediram a reação das pessoas a fotos de detentores de nomes bizarros, bem como por estudos que ligam nome estapafúrdio a família de baixa instrução, Sherrod e Rayback derrubam duas idéias aceitas como senso comum. A primeira é que os pais que dão a criancinhas nomes como Emisleide ou Tierrainney não pensam nas dificuldades que enfrentarão. Na verdade, eles querem que tenham um diferencial na vida ou que carreguem desde cedo uma dose de originalidade na identidade. A segunda é que as crianças sofrem horrores, são hostilizadas pelos coleguinhas, vão mal na escola e, em última instância, podem acabar na cadeia. O fato, dizem, é que a impressão inicial de estranheza é apenas isso – inicial. E a maioria dos contemplados com nomes incomuns tira de letra as piadinhas infames e, com o tempo, passa até a sentir certo orgulho. "Eles se cansam das mesmas brincadeiras, mas adoram ter um nome que os destaca entre os demais", diz Sherrod. A lista de nomes estrambóticos pinçados pelos autores em cartórios dos Estados Unidos inclui: Emma Royd, inócuo separadamente, mas que pronunciado junto vira a palavra "hemorróida" em inglês; Garage Empty (garagem vazia); vários Satans; Post Office (agência de correios); e a impagável seqüência de nomes começando com Ima (tão ingênuo, mas pronunciado em inglês quer dizer "Eu sou um/uma"): Ima Pigg (porco), Ima Muskrat (uma espécie de rato), Ima Hooker (prostituta).

Conviver com um nome estranho pode virar até um fortalecedor de caráter. Maicosuel Reginaldo de Matos, jogador do Palmeiras nascido em Cosmópolis, no interior de São Paulo, era para ser Maxwell ("O cara do cartório não soube escrever e meu pai também se enrolou todo"), mas gosta da forma final. "Sempre tenho de soletrar, e isso é ruim. Mas nunca pensei em trocar. Acho bonito porque é diferente", diz. Não segue os mesmos passos, porém: a filha de 7 meses chamou de Eduarda e, se tiver um menino, vai ser Cauã. A Lei nº 6015, de 31 de dezembro de 1973, estabelece que "os oficiais do Registro Civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores", e cada oficial de registro tem suas histórias sobre o assunto. "Uma vez um homem queria que o filho se chamasse Xis, que ele pronunciava em inglês, Équis", lembra Sandra Mara Prado, do cartório de Registro Civil do Butantã, em São Paulo. Valdirene de Jesus, de Belo Horizonte, recorda-se da bebê que ia se chamar Anacitelta, "atleticana de trás para a frente". Nas duas situações, convenceram os pais a mudar de idéia. Trocar legalmente de nome é um procedimento relativamente simples, mas requer advogado e demora em média oito meses. "Dos processos que passaram pela minha mão, 90% são pedidos de alteração para aquisição de cidadania estrangeira", diz Guilherme Dezem, juiz de direito no Fórum João Mendes, em São Paulo. Dos demais 10%, quase todos eram correção de erro de grafia. Existem, claro, as mudanças por puro desconforto com o nome original – a Maria Heroína que virou Maria Heloísa, a Jesusdete que se tornou Elisabeth e a Geronilda que hoje atende por Joyce Diana. Uma antiga empregada justamente de Mirosmar, o Zezé Di Camargo, nasceu Idelícia de Oliveira e até os 28 anos carregou a cruz (sob o apelido Dedé). "Meu nome era sinônimo de gozação", conta. Quando a filha de uma amiga se tornou advogada, sua primeira causa foi apagar Idelícia para sempre. Há doze anos se chama Débora, e está feliz da vida. Já o casal Camargo do clã de prenomes complicados é a própria encarnação de como mudam os conceitos e os modismos. Entre os finos e chiques, os clássicos Francisco e Helena fazem o maior sucesso.

Com reportagem de Carlos Giffoni

Fonte: Veja online

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A resposta pode provocar estranheza e até espanto; mas um nome diferente não significa cruz pela vida afora. Se não virar motivo de orgulho pela originalidade, é só trocar.




Nomenclatura brasileira

Os nomes inventados, trocados e de grafia incomum do clã de
Helena e Francisco Camargo retratam as peculiaridades nacionais

1) Nome: Walter
Era para ser: Water

2) Nome: Maria Lucier
Assina: Luciele

3) Nome: Welington
Grafia: falta um ele

4) Nome: Camilla
Grafia: sobra um ele

5) Nome: Werley
Era para ser: Wesley

6) Nome: Mirosmar
Assina: Zezé

7) Nome: Welson
Assina: Luciano

Francisco e Helena Camargo eram agricultores pobres que queriam o melhor para seus dez filhos. Por isso, capricharam na escolha dos nomes, um ato que costuma ser a mais explícita manifestação das aspirações dos pais. O Brasil inteiro conhece o resto da história, que culmina no sucesso da dupla Zezé Di Camargo & Luciano, de nomes adaptados, digamos, às expectativas de mercado. Tudo começou com o hoje Zezé, 46 anos, originalmente Mirosmar – "Nome do gerente de uma fazenda perto de casa que eu conheci ainda menina e achei bonito, diferente", conta Helena. Depois veio Emival (morto num acidente de carro), que era para ser Mival, "nome de deputado", explica ela. "O Francisco diz que foi erro do cartório, mas acho que foi ele mesmo. Tem nome que ele não dá conta de falar." O sétimo filho se chama Walter, normalíssimo, mas produto de outro engano: "Eu tinha escolhido Water, que era o nome de um médico em Goiânia". Welson, hoje Luciano, 35, foi composto para manter a letra W; Werley, 32, também, só que na forma de Wesley – "O Zezé escolheu, mas na hora de registrar saiu errado". Já a caçula, Maria Lucier, 30, que no original era Luciele ("Uma garota que eu vi cantando na TV") e assim assina na vida artística, aparentemente também foi vítima da pronúncia do pai. Os demais deram sorte: Maria José, Marlene, Emanoel e Welington, 37, que é ex-deputado e se orgulha da boa fortuna (apesar da ausência, inadvertida, do segundo ele): "O meu nome é o mais bonito. Fui privilegiado".

Nomes estranhos, inventados ou que denotam a origem social humilde podem parecer uma cruz a ser carregada por toda a vida – e a mudança da dupla Camargo seria a prova. Mas os especialistas americanos Michael Sherrod e Matthew Rayback, autores do livro significativamente intitulado Bad Baby Names, discordam. Amparados por pesquisas que mediram a reação das pessoas a fotos de detentores de nomes bizarros, bem como por estudos que ligam nome estapafúrdio a família de baixa instrução, Sherrod e Rayback derrubam duas idéias aceitas como senso comum. A primeira é que os pais que dão a criancinhas nomes como Emisleide ou Tierrainney não pensam nas dificuldades que enfrentarão. Na verdade, eles querem que tenham um diferencial na vida ou que carreguem desde cedo uma dose de originalidade na identidade. A segunda é que as crianças sofrem horrores, são hostilizadas pelos coleguinhas, vão mal na escola e, em última instância, podem acabar na cadeia. O fato, dizem, é que a impressão inicial de estranheza é apenas isso – inicial. E a maioria dos contemplados com nomes incomuns tira de letra as piadinhas infames e, com o tempo, passa até a sentir certo orgulho. "Eles se cansam das mesmas brincadeiras, mas adoram ter um nome que os destaca entre os demais", diz Sherrod. A lista de nomes estrambóticos pinçados pelos autores em cartórios dos Estados Unidos inclui: Emma Royd, inócuo separadamente, mas que pronunciado junto vira a palavra "hemorróida" em inglês; Garage Empty (garagem vazia); vários Satans; Post Office (agência de correios); e a impagável seqüência de nomes começando com Ima (tão ingênuo, mas pronunciado em inglês quer dizer "Eu sou um/uma"): Ima Pigg (porco), Ima Muskrat (uma espécie de rato), Ima Hooker (prostituta).

Conviver com um nome estranho pode virar até um fortalecedor de caráter. Maicosuel Reginaldo de Matos, jogador do Palmeiras nascido em Cosmópolis, no interior de São Paulo, era para ser Maxwell ("O cara do cartório não soube escrever e meu pai também se enrolou todo"), mas gosta da forma final. "Sempre tenho de soletrar, e isso é ruim. Mas nunca pensei em trocar. Acho bonito porque é diferente", diz. Não segue os mesmos passos, porém: a filha de 7 meses chamou de Eduarda e, se tiver um menino, vai ser Cauã. A Lei nº 6015, de 31 de dezembro de 1973, estabelece que "os oficiais do Registro Civil não registrarão prenomes suscetíveis de expor ao ridículo os seus portadores", e cada oficial de registro tem suas histórias sobre o assunto. "Uma vez um homem queria que o filho se chamasse Xis, que ele pronunciava em inglês, Équis", lembra Sandra Mara Prado, do cartório de Registro Civil do Butantã, em São Paulo. Valdirene de Jesus, de Belo Horizonte, recorda-se da bebê que ia se chamar Anacitelta, "atleticana de trás para a frente". Nas duas situações, convenceram os pais a mudar de idéia. Trocar legalmente de nome é um procedimento relativamente simples, mas requer advogado e demora em média oito meses. "Dos processos que passaram pela minha mão, 90% são pedidos de alteração para aquisição de cidadania estrangeira", diz Guilherme Dezem, juiz de direito no Fórum João Mendes, em São Paulo. Dos demais 10%, quase todos eram correção de erro de grafia. Existem, claro, as mudanças por puro desconforto com o nome original – a Maria Heroína que virou Maria Heloísa, a Jesusdete que se tornou Elisabeth e a Geronilda que hoje atende por Joyce Diana. Uma antiga empregada justamente de Mirosmar, o Zezé Di Camargo, nasceu Idelícia de Oliveira e até os 28 anos carregou a cruz (sob o apelido Dedé). "Meu nome era sinônimo de gozação", conta. Quando a filha de uma amiga se tornou advogada, sua primeira causa foi apagar Idelícia para sempre. Há doze anos se chama Débora, e está feliz da vida. Já o casal Camargo do clã de prenomes complicados é a própria encarnação de como mudam os conceitos e os modismos. Entre os finos e chiques, os clássicos Francisco e Helena fazem o maior sucesso.

Com reportagem de Carlos Giffoni

Fonte: Veja online

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